22.9.07

-Sua Alteza está confusa.
-Confusa Eu?!
-Sim, creio que Sua Alteza está confusa, não me leve a mal, e perdoe-me a franqueza.
-E o que leva o senhor a tirar essa conclusão com tal unanimidade para com os seus botões?
-Porque, Sua Alteza, e permita-me, revela sentir uma coisa, pensar várias outras, e dizer outras tantas sem no entanto revelar um critério e uma vontade coerente entre o que diz agora e o que demonstra no acto imediato.
-Confuso está o senhor com essa conversa. Não acha que é bem possível acontecer esse tipo de conflito, sem no entanto, existir qualquer tipo de confusão?
-Volto a crer que não Sua Alteza, não será possível, e sem referir mais, pela redundância da ideia. Conflito implica geralmente confusão.
-Ah sim! Então diga-me lá o senhor como poderemos desburocratizar esse que o senhor diz ser um beco da minha existência. Gostaria imenso da sua opinião, visto ser tão prenhe de abrangência, espero que dê á luz uma solução.
-Lisonjeia-me, Sua Alteza, com tal pretensão.
-Deixe-se de rodeios meu caro e diga-me lá, porque talvez uma boa abordagem para conflito ou confusão, como lhe chamará, deste tipo, só seja mesmo possível de uma mente pobre.
-Lamento, mas não tenho a solução, e por isso as minhas desculpas por ter alertado para um problema para o qual não tenho a solução, que procuro, mas como diz, pobremente.
Mas se me permite, uma dica importante.
É tudo uma questão de ponto de vista. Ou o senhor nunca sentiu várias vezes que até a tragédia é enternecedora. Que uma menina pobre, com os finos cabelos desgrenhados, ao colo de uma mãe desdentada, espreitando a janela de uma van verde garrafão riscada, é a criança mais elegante e bela, e cujo sorriso revela precisamente isso, pontos de vista vários e maravilhosos sobre seja o que for.
Nunca sentiu que o bêbedo, que está bêbedo desde que se conhece, que apalpa o rabo ao bêbedo do lado que está bêbado só de hoje, e olha para o outro que está bêbado de antes de ontem assobiando, incorre no gesto mais humoristicamente simples e genial que já se pode ter visto, Sua Alteza, segundo alguns pontos de vista. É tudo uma questão de ilusionismo, de magia, e a magia está na ilusão, na realidade observavelde um determinado ponto de vista, que se pretende esconder outros menos interessantes, ou digamos, mais desanimadores.
Sempre foi assim Sua Alteza.
Uma coisa lhe digo, é melhor que encontre o seu povo a observar a sua própria realidade sobre um ponto de vista mais agradável brevemente, pois senão Sua Alteza, haverá desgraça, e ninguém tem culpa, porque permita-me Sua Alteza, em terra de ninguém, ninguém tem culpa, e na verdade há muito que esta terra é de ninguém, muitos queriam, mas nenhum quis o suficiente. O país está deprimido, começa a ter fome, e está demasiado confuso para perceber, até ao dia em que vê uma fila a porta do banco alimentar, recentemente aberto na beira da estrada onde todos os dias passam os coches Sua Alteza. Uma espécie de sopa dos pobres a luz do dia, com um nome menos opressivo, porque ser pobre, só por si, já é opressivo, pelo menos segundo o ponto de vista do pobre, e Sua Alteza tem noção que o nome conta, portanto também deverá com certeza encontrar um bom ponto de vista, senão óptimo.

Contrate o Luís de Matos, Sua Alteza, é a minha solução...

20.9.07

Ao contrário de mim, o rio espelhava calma. Sem inquitações era um manto prateado baço, sem se fazer ouvir,nem mesmo no típico sussurro de margem. Eu não o ouvi!
As luzes da ponte brilhavam a jusante. Com a atmosfera saturada, assemelhavam-se a penduricos de lampadas de uma rua de entrada de festas tipicas, quase longínquas.

Lá dentro falou-se de quase muito. Com um tom de voz a variar entre a afonia e o de cama, falaste, falaste, falámos...eu tambem falei, quando, percebo agora, que deveria apenas ouvir. Esqueço-me frequentemente, mas devia exigir-me o silêncio. Quando estou cansado e o raciocinio da minha conversa começa a tornar todos os assuntos relativos, é o silêncio que não está a ocupar o devido espaço.
Elogiaste-me monstruosamente, enquanto eu relativizei olhando para a TV ao canto da sala, várias vezes, desculpando-me com uma ou outra imagem. A verdade é que em mim não têm cabido emoções relativas a enaltecimentos, definições agradáveis de mim, envaidecedoras... Comiserei me que assim fosse quando deitei a cabeça na almofada, horas depois.
Agradeço as comparações elogiosas com personalidades carismáticas, quando eu apenas tentava forma de me comparar com algo, o que quer que fosse. Em vão, tinha de desolhar, para não enlagrimecer.
O senhor de servir do restaurante curtou o bigode, ficou mais novo, no minimo, mais jovem...de aspecto.É razoavel pensar que sim, mas eu nunca o tinha visto, nem mais novo, nem mais velho, e talvez para mim, ele tenha a mesma idade, e nunca tenha ou tenha tido bigode...para sempre.

O muro interrompia-se por um instante, um metro ou dois, o suficiente para que sentados eu não te alcançasse. Não tanto quanto querias, seguramente menos.
Sentamo-nos os dois, frente a frente.
Eu olhava-te a ti, á ponte, ás festas longinquas, á lua que um palmo acima da tua cabeça, num dos seus quartos, mostrava a pele torrada, tons de fogo embaciada.
Quando a clássica estrela cadente atravessou o céu entre a tua cabeça e a lua, para ti só comentei.
Em mim...estarreci, confundi-me, baralhei-me, olhei para trás, para a frente, no tempo, para o lado, para o outro, no espaço, para ti, para o chão, novamente na tua direcção, mais para a profundidade do plano.
Lamento, podia ter-te desejado. Sorrias ali, á distância de um passo, sentada, e eu não tive coragem. Cheio de temor, dúvidas, remorsos, cansado, exausto, magoado, duro, frágil,rígido, cobarde, fraco, empertigado, não tive coragem.

Estupido...Desejei outra coisa qualquer...

18.9.07

Quero escrever mais do que nunca, mas hoje a minha imaginação não salta para alem daquilo que anseio,e sobre isso não me permito. Disse em conversa que não posso escrever sobre a realidade, corro o risco de se confundir com ficção. Hoje faço um esforço para distinguir a realidade na ficção do que imagino, ou a ficção na realidade do que escrevo.Escreverei...amanhã, talvez amanhã...quando recordar.
Sobre isto, escreveu Carlos Fuentes, abraçando Gabo numa cumplicidade tão simples quanto inatingível:
" A memória é o género que se atreve a dizer o seu próprio nome. A biografia diz-nos: «és o que foste».O romance diz-nos: " és o que imaginas". A confissão diz nos: "és o que fizeste". Mas biografia, confissão ou romance requerem memória, pois a memória, diz Shakespeare, é a guardiã da mente. Uma guardiã, diria eu, que se radica no presente para olhar com uma face o passado e com a outra o futuro. A busca do tempo perdido também é, fatalmente, a busca do tempo desejado. Hoje, no presente deste ano terceiro do segundo milénio depois de Jesus, Gabriel Garcia Marquez rememora. Aos que um dia lhe diram: «foste isto»,«fizeste isto» ou «imaginaste isto», Gabo adianta-se e diz simplesmente: Sou, serei, imaginei. Recordo isto.@ Carlos Fuentes - Gabo, memórias da memória."
Digo eu que não haverá quem diga melhor sobre coisas algumas nem quem tenha atentado tão claramente sobre todas as restantes.

Em tempos disse que o que escrevo é uma coisa o que vivo é outra, pois hoje não estou tão certo, logo, deixo aqui,

Os meus Parabens,
porque recordo
numa memória guardiã,
que lamento apenas por ti,
mas não tens

17.9.07

E o senhor da barba grisalha que descia a escada da cerca pensou "hum, cheira-me a tragédia...já arde o esplendor". E a conversa continua...

-Será que vai chover?
-Não, isto vai dar merda.
-E se perderes tudo?
-Começo do nada.
-É duro esse risco.
-Duro é passar ao lado dele.
-É fácil.
-É pouco.
-E o lábio?
-Que tem o lábio?!
-Dá me ânsia.
-Ansiedade não, isso mata.
-Não é ansiedade, é ânsia.
-Será diferente?
-É, ansiedade prende, ânsia solta...
-Não percebo!!!
-Tás a ver a maçã?
-Sim.
-Achas que ela não sabia que não podia mordê-la?
-Dizem que sabia.
-Então era ânsia ou ansiedade?
-Não sei.
-Era ânsia.
-Porquê?
-Porque mordeu.
-Isso é um paradoxo, deixa de embrulhar...
-É, é mesmo, e sabes o que faz a diferença? É a coragem.
-Coragem de quê?
-De mudar de pele.
-Sendo assim, consideras mais dificil a ansiedade?
-Sim, para mim, tambem mais confortável.
-Então, mais dificil ou mais confortável?
-As duas coisas.
-Lá estas tu a descontruir...para com isso.
-Estarei?! Outra vez...porque mordeu Eva a maçã, se estava no paraíso?
-Pois, para sair do conforto. Se calhar era conforto e não paraíso!
-Exacto. Para abrir a caixa.
-Qual caixa.
-A da Pandora.
-Como?
-A razão já existia, a maçã foi o acto, e o que saiu da caixa a consequência.
-Arrependeu-se?
-Talvez, mas isso é uma história antiga. Teve coragem.
- Tava com ânsias, soltou-se.(risos)
-Esquece isso...que conversa sem sentido!Quero morder-te o lábio.
-Não podes.
-Então! Voltamos á conversa?
-Não. Quero que me mordas.
-Então, ficamos onde?
-Tens coragem?
-Tenho...tou com ânsias...

...espreitou e soube "eu disse que já ardia", " espero que os ventos amanhã desfaçam o cheiro da tragédia!"...
Desfarão?!
É paixão?!

7.9.07

Esta tarde ao comer uma bolacha de agua e sal com doce de tomate senti o teu cheiro, a tua presença. A última vez que comi uma bolacha de agua e sal com doce do tomate estavas a olhar-me com os olhos a brilhar, com o teu encolher de ombros fizeste aquele sorriso que forçava inocência, que recusavas a permitir-te perde-lo, e consequentemente perde-la.
Imperaste-me um abraço e levei o último pedaço á boca, que tive dificuldade em que lá coubesse, porque o meu queixo estava encaixado no teu ombro esquerdo e a minha orelha esquerda ao teu pescoço esguio. Mastiguei e engoli em esforço, porque continuavas a apertar me.
E teimavas em não largar, pela sede insaciável de um abraço e para me dificultares a deglutição, acto de pequena travessura.
A inocência do teu sorriso contrastava com a pele de galinha das tuas pálpebras. Forçada? Talvez. A inocência ou a pele engelhada? talvez ambas.
Desta vez a bolacha estava mole, como se fosse a primeira do pacote aberto á três dias, o doce sabia a corantes e conservantes e o teu pescoço cheira-me a azedo, leite azedo.