15.5.07

14 de Maio

Depois de ter regurgitado o almoço, adormeci…

Estava sentado numa esplanada de uma rua qualquer, olhava a rua irregular em cuja superfície o vento indirecional fazia girar algumas folhas soltas. Folhas brancas, folhas riscadas, folhas escritas, folhas soltas, folhas verdes, folhas castanhas, de arvores carecas.

Conduzia um carro mais lento do que os meus olhos numa auto-estrada mais comprida do que a minha imaginação. Ao fundo na fuga do plano cinzento basalto, uma bruma espelhada precedia me como se de agua fugidia se tratasse, uma agua que escoava a rapidez do meu carro, e que escoava na medida do que os olhos alcançavam. No céu passeavam nuvens perdidas a norte, ou perdidas do norte.

Voltei a esplanada de onde nunca saí, uma senhora nova com carcaça de velha e olhos baços, diz me:

-De que sofres tu meu querido?

-Sofro de amor. – respondi seco e sem mexer os labios.

-Sabes, não tens porque temer o que te vou dizer, mas tenho de te o dizer. Um homem com os olhos como os teus sofrerá para sempre de amor, é bom que te vás habituando.

-Que tem os meus olhos?

-Podia dizer te que são descaídos, grandes e fundos, abandonados portanto. Mas não se trata daquilo que são, trata se daquilo que vêem.

-Por acaso até vejo mal ao longe.

-Não sejas difícil. Vejo que pedem sempre mais, vêem para além do que se deve ver.

-Nunca pensei que os meus olhos merecessem tanta caracterização!

-Para alem de que, quando te olhas no espelho vês uns olhos de alguém triste.

-Vejo!? Nunca pensei nisso! Mas sim, sinto me triste vezes demais.

Depois de um momento em que olhava o vazio, ouço a voz de quem o viu melhor que eu.

-Não vais morrer de amor, estou a ver, vais sofrer mas não vais morrer.

-Não. Vou morrendo com ele!

-Difícil novamente!? Nada disso vai acontecer. Vais sofrer, para sempre, mas não tens que temer.

-Talvez, mas eu tinha segredos para não deixar.

-Ah sim!?

-Tinha.

-Ora então conta me lá, se não for pedir muito!

-Estavam dentro de uma caixa! Que dei…

-Deste?! Deste os teus segredos do amor?!Dentro de uma caixa?!

-Dei, dei por ele e hoje derivam com ele, e os meus olhos não vêem, logo não vislumbram assim tanto.

-Ou será que sim?! Mas em todo o caso fico mais tranquila.

-Tranquila!?

-Sim, porque quem dá isso que tu deste dá tudo o que tem.

-E fica sem nada portanto!!!

-Aí é que te enganas redondamente. Fica com tudo. E vou me embora que não quero animosidades aqui com a malta… - Conclui como se obvio fosse, saltou da cadeira onde estava sentada a meio rabo, e zarpou sem me dar tempo para largar o vazio.

Despertei, voltei a sentir o braço dormente. E pensei…

“Farei uma plástica aos olhos, senão ainda morro”

Acordei , e os raios de sol da tarde ainda atravessavam a janela de cortinados vermelhos. O braço, esse continua dormente.

2 Comments:

Blogger Sininho said...

Take it strawberries!

MUITO
gostei muito!

maio 15, 2007  
Anonymous Anónimo said...

uma ilusão real, sobre a real ilusão...

maio 22, 2007  

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